Existe uma distorção muito comum em relacionamentos afetivos: a ideia de que amar é sinônimo de aguentar. Aguentar a falta de escuta. Aguentar a ausência de reciprocidade. Aguentar comportamentos invasivos, desrespeitos, promessas quebradas. Como se o amor, para ser real, tivesse que ser sacrificial. Como se amar significasse se anular.
Esse é um mito que muitas mulheres carregam — e repetem. Em silêncio. Chorando escondido. Justificando o injustificável. E acreditando, lá no fundo, que se forem boas o suficiente, fortes o suficiente, pacientes o suficiente… o outro vai mudar. O relacionamento vai melhorar. A dor vai passar.
Mas não passa. Porque o que está errado não é a intensidade do amor — é a ausência de limite.
Amar não significa suportar o que machuca. Não significa dar mais uma chance a quem já teve todas. Não significa se calar para preservar uma relação que só se sustenta com o silêncio de um lado e o abuso do outro. Amor verdadeiro não adoece. O que adoece é o apego. A dependência. O medo da solidão. A crença de que sem o outro não se é nada.
Limite não é frieza. Não é vingança. Não é egoísmo. Limite é autocuidado. É proteção. É clareza emocional. É dizer a si mesma: “eu mereço mais do que isso.” E dizer ao outro, com a mesma firmeza: “eu não vou continuar nesse lugar onde minha dor não importa.”
Colocar limite é um gesto de amor próprio. E amor próprio não é só fazer skincare e repetir mantras. É também fechar a porta para quem entra sem respeito. É dizer não ao que já machucou tantas vezes. É perceber quando o ciclo de desculpas se repete, e interrompê-lo com dignidade.
Muitas mulheres têm medo de colocar limites porque acreditam que isso afastará as pessoas. E pode afastar mesmo. Mas, honestamente, quem se afasta quando um limite é colocado com respeito, talvez nunca tenha estado realmente disposto a amar. Talvez estivesse apenas usufruindo de uma relação em que tudo lhe era permitido — inclusive ferir.
A ausência de limite transforma o amor em submissão. E submissão não é entrega — é perda de si. É estar num relacionamento em que uma das partes vai encolhendo, calando, desaparecendo. Até que um dia, essa mulher não se reconhece mais. E começa a achar que não é boa o suficiente, que precisa tentar mais, ceder mais, aguentar mais.
Esse é o ponto de adoecimento. Porque o limite que não é colocado do lado de fora, começa a ser corroído por dentro. O corpo adoece. A mente entra em estado de alerta constante. A autoestima despenca. A alegria some. A mulher passa a viver em função do outro — e em oposição a si mesma.
É por isso que colocar limite é um divisor de águas. Porque ele define o que é aceitável e o que não é. Ele traça o contorno da dignidade. Ele diz ao mundo — e à própria mulher — que existem valores inegociáveis. Que nem tudo pode ser tolerado em nome do amor. Que amar não pode custar a alma.
Há um tipo de coragem que só se aprende vivendo. E colocar limite é uma dessas experiências. No início, pode vir com culpa. Com medo de parecer dura. De ser acusada de fria, de insensível. Mas com o tempo, essa culpa dá lugar a algo muito mais valioso: paz.
A paz de estar em um lugar emocional onde se é respeitada. Onde não se precisa implorar por consideração. Onde não se precisa explicar o óbvio. Onde o que se sente tem valor. Onde o próprio coração é prioridade.
E é essa paz que permite construir vínculos verdadeiros. Porque uma mulher que se ama e se respeita atrai relações mais maduras. Relações em que o amor não é cobrado — é compartilhado. Em que o cuidado é mútuo. Em que os limites são bem-vindos porque fortalecem o laço, ao invés de sufocá-lo.
Sim, é possível amar alguém e, ainda assim, dizer não. Amar e sair. Amar e discordar. Amar e se afastar. Amar e priorizar a si mesma. Porque o amor, por si só, não justifica tudo. Ele precisa vir acompanhado de presença, responsabilidade, respeito, verdade. Caso contrário, vira apego, vício emocional, ilusão.
E ilusão cobra caro. Ilusão faz perder tempo. Faz perder energia. Faz perder saúde. Faz perder o mais importante: a conexão com a própria essência.
Por isso, repetir para si: amar não é aguentar tudo. E quando o corpo começa a dar sinais — cansaço, tristeza, insônia, ansiedade, apatia — talvez ele esteja pedindo que o limite seja colocado. Que a palavra seja dita. Que o basta venha.
E que esse basta não seja grito. Não seja vingança. Seja presença. Clareza. Amor. Mas agora, amor por si.